quinta-feira, 23 de maio de 2013

CRÔNICAS DE UM VAMPIRO — 1

raffael petter

1. Sobre vampiros e um cadáver.


 
Não estava habituado. Não mesmo.
Aquilo tudo era muito novo para que eu conseguisse assimilar duma vez só. Nem que eu conseguisse viver mais uma centena de anos — o que eu acho que conseguiria—não me acostumaria com tamanha modernidade em que humanos vem avançando.
E vejam que em outubro deste ano completarei cem anos de existência.
Olhei duas vezes para rua para ver se vinha algum carro. Embora se um carro conseguisse me atropelar, o prejuízo seria totalmente dele já que dentre em instantes, meu corpo se regeneraria.
Atravesso a rua.
A vida de um vampiro é igualmente comparável a de um humano. Isto é, ambas tem os prós e os contras. Mesmo sendo imortal nós, vampiros, corremos o risco de morte. Basta sair num da quente de verão para que logo comecemos ter a pelo completamente hidratada. Se um vampiro ficar durante um longo período de tempo exposto ao sol, este entra imediatamente em combustão.
Viro a esquina à direita.
O que eu não estava acostumado mesmo era essa veneração em que a mídia vem nos pondo (vampiros).
Primeiro veio Bram Stoker com aquela a sua visão medieval dos vampiros; Anne Rice em seguida com a sua aproximada versão do "mito do vampiro" e por fim Stephenie Meyer com a sua versão um tanto diabética dos vampiros, que a meu era romanesca demais.
Olho em meu relógio.
Tinha que chegar ao bar ás nove da noite.
Quem pensa que vampiro não paga as contas está muito enganado. Levamos uma vida tão normal quanto à de qualquer outro ser humano.
O Lar do Diabo era um pequeno pub localizado no centro do distrito de Peba City. Era um lugarzinho muito badalado considerado "Cult", pelos cidadãos que ali viviam, apesar de que alguns desses cidadãos serem caipiras e não saberem o real significado da palavra, usando-o pedantemente.
— E aí, Gaé... — cumprimenta Leonardo me jogando um avental preto. Ele sempre apelidara como se eu fosse um irmão dele um parente próximo. —Que bom que você chegou... A macaca está solta...
—Você está atrasado, senhor Gael — disse a macaca (minha chefe). Marieta era mulher que beirava os quarenta e cinco anos, porém, o humor rabugento que tinha deixava-a com cinquenta anos. Cabelos platinados, maquilagem escura e piercing no nariz, ela era totalmente careta.
Checo novamente meu relógio.
Não; não estava.
Antes mesmo que eu pudesse contra-argumentar:
— Vamos, você tem pratos sujos pra lavar— diz ela apontando com os braços, para porta de vaivém vermelha que dava para cozinha.
Suspirei desanimado indo na direção dos pratos imundos.
Se fossem algumas décadas atrás, a essa altura, Marieta estaria sem a cabeça...

***
Se eu fosse um daqueles vampiros selvagens, cujos deixam o instinto tomar de conta de seus corpos, simplesmente sairia atacando os humanos a minha frente. Pularia em cima da pessoa e fixava os dentes em sua jugular.
Como não era de fazer esse tipo, me contentava apenas em receber ordens e lavar pratos. Alguns vampiros me chamariam de acomodado; outros de preguiçoso. Eu me consideraria esperto.
A cozinha era uma caixa retangular de sapato toda em azulejo branco e asséptico com uma luz branca, fria. Meu escritório baseava-se a uma pia com uma pequena mangueira de alumínio da onde saia um jato de água quente, qual eu regulava a quantidade de água expelida.
Outra modernidade humana...
Ah, não podia me esquecer! Tinha ali, uma secretária. A cozinheira, a grande cozinheira Amanda!
Uma garota balofa de cabelos rosa cortados em channel, qual usava no nariz de batata um piercing.
—Amanda... — digo quando a vejo entrar toda esbaforida— como vai?
—Mal— respondeu Amanda em seu mau humor recorrente. —A macaca está solta aqui hoje, hein...
— Normal...
— Se eu tivesse um pouco mais de dinheiro, compraria a bosta desse lugar. E a primeira coisa como dona, seria por no olho da rua a vaca da Marieta...
—Seria demais— concordo rindo.
— VAMOS LOGO COM ISSO!PAREM DE JOGAR CONVERSA FORA E TRABALHEM MAIS!! — gritara Marieta.
O que fez Amanda desferir um dedo do meio em direção a porta...

***
—Toma— disse Amanda me entregando uma bandeja redonda de alumínio escovado com dois hambúrgueres e um copo imenso de coca-cola light.
Outra coisa que eu não conseguia entender no avanço humano.
Uma bebida com menos calorias, só que numa quantidade exorbitante!
O pub começava a encher, criando vida.
Procurei para mesa doze.
Uma das últimas mesas, que ficavam perto do pequeno palco, onde às vezes, alguns grupos de rock alternativo vinham se apresentar.
— E aí Gael? — disse Paulo o velho caminhoneiro da cidade — Como vai indo?
Como eu ia indo?
— Muito bem e você? — perguntei fingindo interesse em sua vida sem graça.
E antes que ele conseguisse juntar as palavras para me responder, uma mulher irrompe pub adentro arquejando desesperada.
—O que foi? — pergunto, segurando-a antes que ela caísse desmaiada no chão.

***
—Espero que ela não esteja morta, pois senão descontarei em seu salário Gael... — disse a orangotango chefe atrás de mim. Como se eu tivesse culpa de ela ter tombado desmaiada em meus braços.
Além dela estavam atrás de mim: Amanda, Leonardo e Paulo que olhava de mim para mulher com uma cara de parvo.
— Ela não está morta... — anuncio ouvindo o pequeno e frágil coração dela bater na caixa torácica. —Ela apenas desmaiou...
Pego um chumaço de algodão e o mergulho num pouco de álcool; por fim, passo-o suavemente perto do nariz da desmaiada.
Tão logo ela recobrou a consciência falando:
— Preciso de ajuda... Meu marido, ele foi... ele foi atacado por um animal...um monstro... —ela repetia aquilo desesperadamente, com os olhos arregaladíssimos, como se o monstro estivesse ali, na sua frente.
— Onde ele está? — perguntou Amanda aproximando-se, de repente, da mesa sob onde a mulher estava deitada.
—Na floresta... Nós tínhamos ido acampar... Íamos comemorar nosso aniversário de casamento... Foi então que um animal enorme veio e atacou Filipe...
Aquilo era muito estranho, pois em Peba City quase nunca havia mortes, a não ser por morte natural de velhos.
— Querida, mas que ideia de jerico também, né? —começou Marieta metendo o bedelho. — Comemorar o aniversário de casamento no meio duma floresta... —disse para depois se afastar.
A mulher começou a chorar.
— Não liga não, ela é louca assim mesmo... — diz Amanda numa tentativa de acalmar a moça, exercitando o seu show de Stand-up comedy.
—Ei, você e você venham comigo, vamos buscar o marido dela— disse Filipe apontando para mim e Leonardo. —Ou que sobrou dele...
Antes que a porta do pub pudesse fechar atrás de minhas costas pude ouvir Marieta gritar:
— Aonde eles vão?Vou descontar do salário deles!
E Leonardo dizer:
— Merda!Podia ter ficado em casa hoje...
E por um momento fiquei pensando se eles iriam procurar por mim caso um dia eu desaparecesse de repente.

***

A velha picape de Filipe estacionara bem perto da entrada da floresta.
O céu estava sem estrelas e lua. Sabia que a busca do marido da Rosangela (eis o nome dela) seria uma tarefa árdua, já que com apenas duas lanternas se tornava quase impossível fazer uma busca. Se começássemos a fazê-lo seria uma verdadeira busca a uma agulha no palheiro.
— Bom, eles devem ter acampado naquela clareira onde se montas barracas — disse Filipe— melhor ficarmos juntos, pois será fácil, fácil nos perdemos nessa floresta...
Olhei para mata fechada a minha frente.
Sim, para humano seria fácil, fácil.
Adentramos na floresta e seguimos por uma trilha muito usada por aventureiros. Uma trilha estreita e íngreme que com qualquer deslize levaria uma pessoa desatenta ao chão.
Eu e Filipe carregávamos as lanternas, enquanto Leonardo ficava entre nós como uma criança obediente que num piscar de olhos poderia ser perder a qualquer instante.
Uivos podiam ser ouvidos não muito distante. O barulho incessante dos grilos eram os ponteiros do relógio da mãe natureza.
Os batimentos de ambos os meus parceiros aceleravam a cada passo dado à frente.
Um cheiro além, das folhas daquelas árvores, rescendiam no ar... Um cheiro que não me era desconhecido... Cheiro que excitava cada vez minhas narinas e fazia minha boca salivar...
Sangue...
Era quase impossível, ignorar aquele aroma ferruginoso ventilando pelo ar...

***

Depois de caminharmos um bocado de tempo nós nos deparamos como uma bifurcação.
— E agora? — perguntou Filipe coçando a careca— Por aonde a gente vai?Eu não me lembro qual era o caminho, faz tanto tempo desde que eu não venho aqui... Desde que Eliza morreu... — disse ele numa voz emocionada por uns instantes olhando para o horizonte em busca de memórias passadas.
Eu sabia por onde.
Ele me chamava; o sangue.
— Que tal fazermos o seguinte: eu vou pela esquerda e vocês vão pela direita?Se algum de nós o encontrarmos primeiro ligamos uns para os outros.
Eles concordaram seguindo em direção do outro caminho; sigo pela direita.
Corria feito uma besta selvagem. O cheiro de sangue atiçara em mim esse instinto animalesco, selvagem; instinto esse que há muito tempo não utilizava. Os galhos de arbustos e árvores menores batiam em meu rosto, o junco de folhas secas embaixo de meus pés era triturado com ruídos.
Quanto mais eu fui avançado mais pude ver a minha frente surgir um ponto tênue de luz que depois fora se tornando cada vez mais forte.
Era uma fogueira.
Ou o que restara dela.
As brasas duma fogueira estavam acesas no centro duma clareira ladeada por uma barraca de acampamento rosa.
O local estava uma verdadeira mixórdia. Cadeiras de plásticos jogadas de pernas pro ar, caixa de isopor totalmente despedaçada, cobertores feitos em retalhos espalhados pelo chão e dentre outras coisas mais que não dava para atentar direito, porque eu estava preocupado em outra coisa.
O cheiro de sangue estava próximo...
Ele praticamente boxeava meu nariz para eu segui-lo.
Foi quando encontrei o cadáver no chão.

***

O corpo estava afogado numa poça feita de seu próprio sangue. Tinha no rosto uma carranca de dor e medo. O cheiro de sangue que vazava daquele corpo estava me deixando louco...
Por pouco não cai em cima dele, sugando-lhe o que sobrara de sangue.
Todavia, me contive, pois havia algo, um objeto reluzente, caído ao seu lado. Além de que, consegui me lembrar da promessa que havia feito para mim mesmo.
Era uma insígnia, uma pequena cruz de ferro pintada de vermelho, cortado por um xis...
Não, aquilo não...
Procurei ao meu redor pelo dono daquele objeto que eu conhecia tão bem. Nada...
Ele havia desaparecido... Como era de se esperar.
Pego do meu celular e ligo para Leonardo.
— Encontrei o corpo...

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