2.Os
arcanjos.
Vou descortinando os olhos aos poucos.
--Vamos Yzael abra os olhos... Não tenha medo... —diz-me
uma voz grossa e poderosa.
Então abro meus olhos por inteiro e vejo quem era o meu
interlocutor: um homem de seus (aparentemente) trinta e cinco anos, loiro,
olhos azuis e porte atlético. Um cara que nunca vira antes.
Que estranho, por que ele me chamara de Yzael?Aquele era
meu nome...? Não conseguia, realmente, lembrar de nada. Só lembro-me de ter
acordado naquela cratera ao lado desta concha cheia de pedras. E mais nada.
Esforçava-me pra relembrar alguma coisa, porém minha cabeça doía, como se
alguém a estivesse pressionando com muita, muita força. Como eu fora parar
ali?Se o buraco onde estava tinha mais de cinco metros?Eis as perguntas que
voavam ao redor de minha cabeça.
--Você está bem?—pergunta-me o cara de voz grave e
potente como um trovão.
--Estou... Mas quem é você...?
Ele dá um sorriso como se acabasse de ter ouvido uma
piada.
A todo o momento eu segurava a concha como se fosse um
bem necessário e delicado. O que mais me impressionava é que ela transmitia
certo magnetismo, como se tivesse vida própria e não quisesse afastar-se de
mim.
--Me chamo Miguel... Sou um arcanjo e estou aqui pra
protegê-lo Yzael... É melhor sairmos daqui antes que eles cheguem... —disse ele
caminhando até mim, ao que recuei alguns passos. Aquele cara era maluco, só
podia ser!Que história é essa de arcanjo Miguel e que ele tinha de me proteger? Quem eram esses “outros”?
--Quem é você, cara... Eu nunca te vi...
Foi quando Miguel aproximara-se de mim e uma luz branca e
forte me segou, fazendo com que eu apagasse.
***
-- Tem certeza que é aqui?—pergunta-me Rubie minha
parceira demônio. Estávamos numa espécie de bosque. Havia carvalhos velhos e
altos e alguns arbustos rasteiros e espinhosos que compunham a vegetação do
lugar.
--Sem vestígios de dúvidas. Olhe ali aquela cratera no
chão... —digo indicando o buraco.
Aproximamo-nos da borda da cratera e ficamos a analisar
aquela ruptura no chão.
--É recente... Ele não pode ter ido muito longe... —disse
a demônio agachando-se perto da borda.
-- E sinto dois cheiros no ar... Um de anjo e o outro de
arcanjo... —digo farejando o ar como um cão. Deveras, rescendia no ar um aroma
de incenso de rosas mesclado com campo de flores. Porém, estava presente, outro
aroma. Alfazema.
--Venha ver isto aqui Rúbia, querida... —berra Rubie que fora parar ao lado dum arbusto. Parecia
examinar algo ali, quando ela me mostra algo que encontra.
--O que foi?
--Você não está vendo, não sua burra?—pergunta-me
rispidamente. A vontade que tinha era de fulminá-la imediatamente. Mandá-la de
volta pro inferno. Mas eu não podia, tínhamos um pacto.
--Lógico que estou vendo. É uma de pena anjo, não
é?—rebato.
-- Isso. O que quer dizer que podemos localizá-los facilmente...
– expõe ela com um sorriso de orelha a orelha. Tá. O que aquela demônio
pretendia fazer?Tudo bem que ela era um século mais velha do que eu, e com isso
deveria conhecer muitos feitiços e artimanhas.
--Você tem um isqueiro?
Fico olhando pra cara dela. Que diabos queria ela um
isqueiro?Procuro nos bolsos e o encontro. A antiga usuária deste corpão fumava.
--Toma—falo entregando o isqueiro. Rubie estava ficando
cada vez mais folgada. Ah... Quando eu pegar aquele anjo, darei um pé na bunda
dela. Uhu! E ainda por cima subiria de posto! Como sou demais, cara!
--Dá pra parar de bufar feito uma vaca
ensandecida?Preciso me concentrar aqui... —reclama a múmia demônio. Ô criatura
chata! Por pouco não desfiro um tapa na cara dela.
Ela estava de cócoras e segurava uma pena enorme (de pelo
menos uns trinta e cinco centímetros) de um arcanjo, que muito possivelmente
pertenceria a algum arcanjo. Se esse arcanjo estivesse com esse anjo caído,
seria um grande problema. Ia ser mega barra pesada. Arcanjos são superiores aos
anjos e conseqüentemente muito mais poderosos do que nós demônios.
Não fora a toa que nosso pai Luci fora derrotado pelo
“poderoso arcanjo Miguel.”
Pensava nisso quando ouço umas palavras muito estranhas
saírem da boca de minha vizinha infernal:
-- Archangelus
procurare! Archangelus procurare! Archangelus procurare!—dizia ela feito
uma biruta. Em certo momento ela aproximara a tênue chama do isqueiro perto da
alva e longa pena.
E essa se consume lentamente. O que mais me chamava à
atenção era a cor do fogo. Era tão diferente que fiquei com tal cara de aparvalhada,
que Rubie desatou a rir imediatamente.
--Que foi? Nunca viu não é?E cadê? Pra que você pedira o
isqueiro?
Ela me deixou completamente no vácuo. Olhava pro céu.
--Ei...! Você não me respondera ainda... —não me responde.
Apenas aponta o indicador pro céu negro. Havia na abóboda celeste uma espécie
de estrada em azul claro cortando-a.
--O que é isso?
-- É o rastro deixado pelo arcanjo... E pelo que eu estou
vendo é um dos sete...
--O que você quer dizer com “um dos sete”?
--No inferno você nunca leu ou soube nada a
respeito?—pergunta-me. Balanço a cabeça negativamente. Preferia ficar vendo as
almas condenadas serem chicoteadas.
--Então, tá: antes mesmo de o mundo ser criado Deus tinha
a seu lado oito arcanjos poderosíssimos.
--E quais eram eles?—pergunto em minha total ignorância a
esses assuntos do gênesis. Novamente ela me olha com aquela cara que deveria
significar o seguinte: Em que inferno você vivera em todos estes anos?
--Bom são eles: Miguel, Rafael, Gabriel, Jegudiel, Uriel,
Selafiel e Baraquiel.
Ops acho que Rubie cometera algum engano. Ela havia dito
oito, contudo ela dissera apenas sete nomes. Faltava um.
--Rubie, você se esqueceu...
--Você realmente não aprendera nada esse tempo todo não
é?—diz ela cortando-me. Como assim não sabia de nada? Pelo menos não sou que
não sabe contar...
-- É o seguinte: nosso mestre Lúcifer fora deposto,
quando se decidira rebelar-se diante de seu Criador, pois alegava que era muito
melhor e independente. Com isso Miguel seu próprio irmão o expulsa,
condenando-o a viver eternamente no inferno. Só que o pessoal lá de cima não
imaginava era que Luci, trouxera outros anjos que compartilhavam da mesma ideia
consigo. E fora por isso que eu citei sete nomes e não oito. Compreende agora, querida?
Ia perguntar pra ela onde ela havia feito este curso de
história do gênesis quando ela abruptamente me diz:
--É melhor andarmos logo antes que o rastro se apague e
antes que nossos irmãos cheguem... Sinto um cheiro terrível de enxofre se
aproximando... É melhor corremos...
Anui-o a cabeça concordando. Era melhor irmos mesmo.
Também podia sentir no ar, um cheiro insuportável de enxofre se tornando cada
vez mais forte e se fazendo mais pressente.
Olho em volta. Não havia ninguém ainda, porém meus irmãos
não tardariam a chegar. Todos queriam subir de posto lá no inferno. Olho pros
olhos vermelhos incandescente de Rubie.
--Preparada pra correr?
-- Lógico.
Respondo sorrindo.
E tão logo iniciamos nossa corrida em direção da estrada
deixada pelo um dos sete arcanjos, em busca, de nossa ascensão.
***
Quando despertei a madrugada se dissolvia lá fora. Podia
ver o sol subindo lentamente, tingindo de tons dourados alaranjado o céu ainda
escuro.
Minha cabeça como outrora doía. Não consegui pensar em
completamente nada. Onde estaria? E quem era aquele...
--Onde estamos?—pergunto quando vejo Miguel parado feito
uma fria escultura de gelo em minha frente. Tento me levantar mais, de repente,
o mundo a minha volta começa a girar violentamente. Estava zonzo. Sento-me de
novo no chão.
--Estamos em um galpão abandonado, num lugar seguro.
—explica-me ele próximo a mim. Tão próximo que podia sentir um cheiro forte de
alfazema, vindo dele.
O que estava acontecendo comigo?Quem eu era?Seria Yzael
mesmo o meu nome? Essas e outras perguntas rondavam minha mente feito cães
incansáveis. Forçava, exprimia cada neurônio meu para obter a resposta só que
não a conseguia, isso só fazia aumentar, ainda mais, minha dor na cabeça.
--Tome coma... Você precisa se alimentar... Você deve
estar faminto... —disse o arcanjo Miguel oferecendo-me uma bandeja com suco de
laranja e pães de forma com presunto e queijo. No momento em que meus olhos
tocaram naquela bandeja, meu estomago começou a roncar enlouquecidamente, como
se fosse um naufrago que não houvesse comido durante anos.
No entanto, recuso. Meu cérebro estava sedento de
repostas e não de comida. Encaro-o e pergunto:
--O que é que está acontecendo aqui?
--Coma primeiro e
depois lhe direi o que está se passando— disse ele. Com tal afirmativa fico
observando aqueles olhos azuis como firmamento e profundo, sereno como o
oceano. E impressionantemente é que acato as suas ordens. Começo a devorar o
lanche com uma fome voraz.
Depois, de saciar minha fome e sede. Anuncio:
--Agora pode falar.
Ele fica durante alguns instantes me estudando, como se
procurasse a melhor forma pra iniciar. Porém suas palavras me vieram diretas,
gélidas e cortantes como navalhas:
--Yzael, você é um filho e tem algo que é muito poderes
que se cair nas mãos erradas pode acabar com todo o universo...
De súbito aquele galpão em penumbra e com cheiro de mofo
é incendiado por uma luz fortíssima que instantaneamente me cegam. Tudo se
tornara branco.
CONTINUA...